A fotografia e a IA: um chamado à travessia
- Leo Saldanha
- há 2 horas
- 10 min de leitura
Não estamos no fim da fotografia. Estamos no fim da fotografia como a conhecíamos.

Tenho falado muito sobre inteligência artificial e sei que isso causa desconforto em alguns colegas. Muitos me dizem que preferem não pensar no assunto, outros acreditam que a fotografia é imune a essas mudanças. Eu entendo. Toda revolução tecnológica gera medo, e não seria diferente agora.
Mas a minha visão não é sobre o fim. É sobre continuidade.
A fotografia já atravessou transformações profundas: do analógico para o digital, das câmeras para os smartphones, dos álbuns físicos para as redes sociais. Em todas essas fases, ela mudou de forma, mas não desapareceu. Com a IA, estamos diante de mais um capítulo (talvez o mais acelerado de todos) e o meu papel não é assustar, mas ajudar a atravessá-lo.
Mas aqui está a questão que poucos querem enfrentar: cada uma dessas transições anteriores eliminou profissões inteiras dentro da fotografia. Os laboratórios fecharam. Os retocadores analógicos desapareceram. Fotógrafos que se recusaram a migrar para o digital ficaram pelo caminho. A diferença agora não é apenas a velocidade, mas sim a escala. A IA não está substituindo um processo técnico: está questionando a própria autoria da imagem.
E talvez seja exatamente isso que precisamos.
Porque quando a técnica se democratiza ao extremo, quando qualquer pessoa pode gerar uma imagem "perfeita" com um comando de texto, o que sobra para nós? A resposta é ao mesmo tempo desconfortável e libertadora: sobra apenas aquilo que sempre foi essencial, mas que muitos de nós esquecemos ao longo do caminho.
Eu também tenho perguntas, dúvidas e receios. Mas já encontrei sinais de que a fotografia não perde sua essência: ela se fortalece quando lembramos que não é apenas técnica ou equipamento, mas experiência, memória e confiança. A IA pode criar imagens. Nós, fotógrafos, criamos presença, significado e vínculos humanos.
Porém, sejamos honestos: quantos de nós realmente construímos nossa carreira sobre esses pilares? Quantos se tornaram "fotógrafos" porque dominavam a técnica, o equipamento, o Photoshop? Quantos vendiam pixels, não experiências? A IA está expondo uma verdade incômoda: se o seu diferencial é apenas técnico, você já era substituível antes mesmo dela chegar.
O mercado não vai precisar de menos fotógrafos. Vai precisar de fotógrafos diferentes. Aqueles que entendem que a câmera é apenas a ferramenta menos importante do processo. Que o verdadeiro ato fotográfico acontece antes do clique: na escuta, na direção, na criação de um ambiente seguro, na capacidade de extrair verdade de um momento encenado, na construção de uma narrativa que só pode existir porque duas pessoas se encontraram naquele instante específico.
E aqui está a provocação que precisa ser dita: a IA vai forçar a fotografia a crescer. Vai separar quem fotografa de quem apenas opera câmeras. Vai expor quem construiu carreira sobre areia e quem tem fundações sólidas. E sim, isso é assustador. Mas também é uma oportunidade histórica de redefinir nossa profissão em termos mais honestos, mais humanos, mais essenciais.
Por isso escolho estar aqui, como guia nessa travessia. Não para prever um futuro distante, mas para caminhar junto, explorando possibilidades e apontando caminhos. Porque acredito que a fotografia continuará viva, talvez mais rara e valiosa, justamente por carregar aquilo que nenhuma máquina consegue reproduzir: o encontro entre pessoas e o registro de um instante real.
Mas continuará viva apenas para aqueles que escolherem evoluir.
Não basta ignorar a IA esperando que ela desapareça. Não basta defendê-la como se fosse apenas mais uma ferramenta neutra. É preciso entender que estamos em um momento de redefinição existencial da fotografia e que os próximos anos vão determinar quem fica e quem sai. A boa notícia? Você tem participação nessa história. A má notícia? Como você vai participar vem com a responsabilidade de fazer escolhas difíceis agora.
Você pode escolher se especializar na curadoria e direção de IA, tornando-se um novo tipo de criador visual. Pode dobrar a aposta no analógico e no artesanal, criando valor justamente pela resistência ao automatizado. Pode se tornar um fotógrafo-terapeuta, um fotógrafo-antropólogo, um fotógrafo-contador de histórias... profissões híbridas que a IA não consegue tocar. Ou pode continuar fazendo exatamente o que sempre fez, mas com a clareza de que seu valor não está nos pixels, e sim na experiência humana que você proporciona.
O que você não pode fazer é fingir que nada está mudando.
Se a IA inaugura uma nova era, a fotografia continua sendo um espelho da humanidade. E o que está em jogo não é o fim, mas a forma como vamos nos reinventar.
A pergunta não é se a fotografia vai sobreviver. É se você vai.
E a resposta para isso não está na tecnologia. Está em você ter a coragem de olhar para o seu trabalho e se perguntar: se amanhã qualquer pessoa pudesse gerar imagens tecnicamente perfeitas com um comando, o que eu ofereceria que ainda seria insubstituível?
Essa resposta (sua resposta única) é o seu futuro na fotografia.
E ela sempre esteve aí, esperando que você a encontrasse.

Nota final, mas não menos importante - Para quem quer entender os possíveis prazos
Sei que muitos de vocês, depois de ler isso, vão querer saber: "Tá, mas quanto tempo eu tenho?"
Vou responder com um fato.
Em março de 2024, a gente estava conversando sobre o ChatGPT gerando imagens. Era novidade, era assustador para alguns, mas ainda parecia distante da fotografia "de verdade". As imagens tinham aquele ar artificial, mãos estranhas, olhares sem alma. Muitos fotógrafos respiraram aliviados: "Isso não vai me afetar".
Seis meses depois, em outubro, surgiu o Nano Banana.
E em questão de semanas (não anos, semanas) fotógrafos de diversos nichos começaram a ver seus clientes testando a ferramenta. Retratos corporativos, books, headshots, ensaios publicitários básicos. De repente, aquela "IA que não ia afetar" estava sendo usada para substituir sessões reais. Não por ser perfeita. Mas por ser rápida, barata e "boa o suficiente" para quem não valoriza o processo.
Nesta semana Sora 2 chegou com tudo. Trata-se de uma plataforma de vídeos hiper realistas da dona do ChatGPT ainda mais impressionante. Lembrando que a tecnologia dela serviu depois para o gerador de imagens do ChatGPT.
A Verdade Desconfortável Sobre o "Meio de Campo"
Vou ser direto sobre algo que muitos não querem ouvir: o fotógrafo "barato mas ainda humano" está prestes a ser espremido para fora do mercado.
Não é todo fotógrafo. Não é toda especialidade. Mas se você compete principalmente por preço, se seu diferencial é "cobro menos que o fulano", se seus clientes te contratam porque você é "bom e barato"... você está na zona de maior risco.
Por quê? Porque a IA está ocupando exatamente esse espaço. E está fazendo isso de graça.
Pensa comigo:
Quando o mercado se polariza (e todos os sinais apontam que vai), três coisas acontecem:
No topo: Fotógrafos premium que vendem experiência, autoria, direção, confiança — esses não só sobrevivem como podem até se fortalecer. O cliente que valoriza o processo humano vai pagar mais por ele quando perceber que virou raro.
Na base: IA resolve tudo que for "rápido, barato e básico". Retrato corporativo padrão? Imagem de produto com fundo branco? Fotos "boas o suficiente" para redes sociais? A IA já faz. E vai fazer cada vez melhor.
No meio: Aqui está o problema. O fotógrafo que não é premium o suficiente para justificar o preço alto, mas também não é barato o suficiente para competir com "grátis"... esse fotógrafo não tem onde ficar.
E o prazo para isso não é de anos. É de meses.
Entre março e outubro de 2024, vimos o salto do ChatGPT fazendo imagens experimentais para o Nano Banana gerando retratos que clientes reais estão usando. Seis meses. Agora multiplica isso: Veo3, Sora, Firefly, MidJourney... cada um avançando em velocidade exponencial, não linear.
Se você acha que tem dois anos para se preparar, está subestimando a curva. A mudança não vai levar dois anos para acontecer. Ela já está acontecendo, e vai levar dois anos para você perceber o quanto já perdeu... se não agir agora.
Isso é especulação? Não totalmente. É projeção baseada em:
Alta probabilidade (70-80%) de polarização entre IA na base e fotografia premium no topo
Média probabilidade (40-50%) de o "meio de campo" encolher drasticamente — talvez sobreviva apenas em nichos hiperlocais, afetivos ou desconectados da tecnologia
Baixa probabilidade (20-30%) de nada mudar e tudo continuar como está
Pode não ser 100% certo (fiz projeções com Gemini e ChatGPT nas versões pagas com pensamento profundo). Mas quando todos os sinais apontam na mesma direção, e a cada semana uma nova ferramenta confirma a tendência... ignorar isso não é otimismo. É negação.
A pergunta real não é "será que vai acontecer?"
A pergunta é: "Quando acontecer, de que lado da polarização eu vou estar?"
Porque o meio está desaparecendo. E você precisa escolher — agora — se vai subir ou se vai deixar o algoritmo te empurrar para baixo.
A pergunta "quanto tempo eu tenho?" já tem resposta: você não tem.
O tempo não é futuro. É agora. Entre março e outubro (menos de um ano) a conversa saiu do "será que isso vai acontecer?" para "como eu respondo quando meu cliente me pergunta se eu trabalho com isso?".
E o Nano Banana não é o fim da linha (aliás, já surgiram pelo menos outras 3 IAs similares ao Nano Banana na sequência). É só o primeiro de muitos avisos de que a velocidade dessa transformação não segue a lógica das mudanças anteriores. Do analógico para o digital levamos anos. Do digital para o smartphone também. Mas da IA "experimental" para a IA "usável no mercado" levou meses.
E vai continuar acelerando.
Então quando você me pergunta quanto tempo tem, eu respondo: o tempo que você tem é o tempo que você escolhe usar hoje para se reposicionar. Porque daqui a 6 meses, outra ferramenta vai aparecer ou quem sabe antes. E ela vai ser melhor, mais acessível e mais convincente que o Nano Banana.
A diferença entre quem vai atravessar isso bem e quem vai ser atropelado não está em prever o futuro. Está em agir no presente.
Aqui abaixo um cenário nem pessimista e nem otimista...que sim, é absolutamente especulativo, mas nada improvável.

Fotografia e IA: Prazos, Desafios e Cenários
1. Linha do Tempo Provável
6–12 meses
Clientes começam a experimentar IA em paralelo à fotografia.
Segmentos básicos e baratos (retratos simples, ensaios escolares, estúdios de fundo branco) sofrem primeira queda de demanda.
Pressão por preços mais baixos aumenta.
12–18 meses
IA já integrada no fluxo dos clientes: “faça a foto e depois melhore com IA”.
Pacotes híbridos (ensaio real + imagens geradas) começam a aparecer.
Noivas, famílias e pequenas marcas testam IA como complemento visual.
18–24 meses
Polarização clara: de um lado, IA como solução de baixo custo; de outro, fotógrafos premium que vendem experiência, confiança e testemunho humano.
O “meio do mercado” (fotógrafos baratos) tende a ser espremido.
3–5 anos
Novas funções no ecossistema: curadores, autenticadores de imagem real, diretores criativos que integram IA e fotografia.
Fotografia documental, esportiva e de eventos se reposiciona como prova de realidade rara e valiosa.
Fotografia autoral ganha espaço como arte e luxo, reforçando exclusividade humana.
2. Desafios-Chave
Perda de mercado de baixo custo
A IA substitui entregas “básicas e baratas” quase de graça.
Fotógrafos que se sustentam pelo preço acessível correm maior risco.
Confiança e autenticidade em crise
Se qualquer imagem pode ser inventada, a fotografia perde sua função de prova.
Surge demanda por autenticidade certificada: quem estava lá e registrou.
Mudança no valor percebido
Antes: técnica + equipamento.
Agora: experiência + direção + vínculo humano.
Adoção cultural acelerada
Diferente do digital e do smartphone, a IA não exige hardware caro nem anos de transição.
Basta um app gratuito, o que acelera a curva de impacto.
3. Oportunidades
Fotografia como luxo/testemunho: registrar o real vira diferencial.
Modelos híbridos: fotógrafos que integram IA ao seu serviço podem criar pacotes inovadores.
Autoridade como guia: quem souber explicar, ensinar e liderar nessa transição ganha relevância.
📌 Logo... A fotografia não deve acabar, mas vai mudar radicalmente. O prazo não é de 5 anos, e sim de menos de 2 anos para sentir os efeitos mais fortes. Quem se posicionar agora como guia e criador de valor humano terá vantagem clara.

Pramod Tiwari/Unsplash
Então o Que Você Faz?
Não vou te dar uma lista de "10 passos para se adaptar à IA" porque você sabe que isso seria desonesto (também não vou te vender nada no final). Não existe fórmula. Não existe caminho único. Mas existem decisões que você precisa tomar agora.
Primeiro: Seja brutalmente honesto sobre onde você está.
Pega um papel. Escreve:
Meus clientes me contratam por quê? (Se a resposta for "preço" ou "qualidade técnica", você está na zona vermelha)
Se a IA fizesse o que eu faço por R$0, o que eu ofereceria que ainda valeria a pena pagar?
Eu vendo pixels ou vendo experiência? E é bom que você saiba explicar essa experiência além do jargão...
Essa visão é o primeiro passo. Sem ela, você vai tomar decisões erradas.
Segundo: Escolha um lado da polarização... conscientemente.
Você tem basicamente três caminhos:
1. Subir para o premium
Seu valor não está na técnica, está na curadoria, direção, jornada, bagagem, confiança
Você cria ambientes seguros, extrai verdade, constrói narrativas que só existem porque você estava lá
Isso exige cobrar mais caro, atender menos gente, e ter coragem de recusar trabalho que te reduz a "operador de câmera"
2. Abraçar a hibridização
Você aprende a integrar IA no seu processo, mas não para substituir fotografia, mas para criar pacotes que combinam o real com o gerado
Vira um novo tipo de profissional: diretor criativo que orquestra humano + máquina
Isso exige curiosidade técnica e disposição para experimentar sem medo
3. Dobrar a aposta no artesanal
Você vai na direção oposta: analógico, slow photography, processos únicos que a IA não pode tocar
Seu valor está justamente na resistência ao automatizado, na raridade, no tempo investido
Isso exige paciência para construir um público que valoriza isso e paga por exclusividade
Não existe caminho errado. Existe caminho não escolhido.
O que te mata não é escolher mal. É não escolher e continuar fazendo o que sempre fez esperando que dê certo.
Terceiro: Aja hoje. Não segunda-feira.
Não precisa mudar tudo amanhã. Mas precisa fazer UMA coisa hoje que te aproxime de onde você quer estar.
Pode ser:
Mandar mensagem para 3 clientes antigos perguntando o que eles realmente valorizam no seu trabalho (não o que você acha, o que eles dizem)
Testar uma ferramenta de IA por 30 minutos só para entender o que ela faz e o que ela não faz
Escrever um texto no seu Instagram reposicionando seu trabalho — não mais "faço fotos", mas "crio experiências de..."
Aumentar seus preços em 30% e ver o que acontece (você vai se surpreender)
Procurar um nicho que ainda valoriza presença humana e começar a se especializar ali
Uma ação. Hoje. Porque daqui a 6 meses, outra ferramenta vai aparecer. E você quer estar reagindo ou já ter se movido?
Quarto: Não atravesse isso sozinho.
Essa conversa que estamos tendo aqui? Ela precisa acontecer entre fotógrafos. Não no modo "mimimi vai acabar tudo", mas no modo "o que você está fazendo? o que está funcionando? onde você está apostando?".
Tem gente atravessando isso bem. Tem gente criando caminhos novos. Tem gente testando modelos híbridos que estão funcionando. Você não precisa inventar tudo do zero — precisa estar conectado com quem está na mesma travessia.
E olha: eu estou aqui para isso.
Não como alguém que já atravessou e está do outro lado te acenando. Mas como alguém que está atravessando junto, mapeando o território, testando rotas, e compartilhando o que encontro.
Porque eu acredito que a fotografia não acaba aqui. Ela se transforma. E nós, que escolhemos estar conscientes nessa transformação, vamos sair mais fortes, mais essenciais, mais insubstituíveis.
Mas isso só acontece se você agir.
Não daqui a dois anos. Não quando "a poeira baixar". Agora.
A pergunta não é mais "será que vai acontecer?"
A pergunta é: "Que decisão você vai tomar hoje?"

Sajad Nori/Unsplash
Comentários