Entrevistei Lauria que conta com uma jornada de 40 anos entre tecnologia, ciclismo e a arte fotográfica com um especialista em Inteligência Artificial
Marco Lauria tem uma trajetória única e fascinante. Nesta entrevista, uma visão completa de um profissional que dedicou mais de três décadas à tecnologia e à inovação, com uma carreira marcada por posições de liderança na IBM, incluindo a supervisão do Watson na América Latina. Fascinado pelo potencial transformador da fotografia e do ciclismo, ele compartilha como essas paixões, cultivadas ao longo de quatro décadas, complementam sua formação em Engenharia e moldaram sua visão sobre o impacto das ferramentas de IA na arte visual. Em tempo: Lauria é membro Fotograf.IA
Leo Saldanha - Você pode compartilhar um pouco sobre sua história?
Eu gosto muito de tecnologia. Me formei em Engenharia e trabalhei por mais de 30 anos na IBM e meu último trabalho foi como responsável pelo Watson, ferramenta de IA da IBM para América Latina. O esporte, especialmente o ciclismo e a fotografia são hobbies que pratico há mais de 40 anos e que São parte importante da minha vida.
Criações de Marco Lauria. Fotos reais x IA
Leo Saldanha - Como a fotografia, o ciclismo e a tecnologia moldaram quem você é hoje?
O esporte lhe incentiva a ter disciplina. Você passa a cuidar da alimentação, do sono, se planeja para realizar os treinos e competir nas provas. A fotografia estimula seu lado criativo e isso é bem complementar à minha formação técnica e de Engenheiro. Ambos me ajudaram a lidar com o estresse no trabalho e na vida. Manter hobbies e dedicar tempo a eles é crucial, e mesmo durante os períodos mais estressantes da minha carreira, nunca deixei de lado.
Leo Saldanha - Como a experiência em TI e inteligência artificial influenciou sua forma de ver e criar na fotografia?
Eu sempre gostei da parte tecnológica associada à fotografia. Existem aspectos técnicos na fotografia que são importantes. Os fundamentos da luz e iluminação, quando usar determinada lente, abertura ou velocidade. Também tive um laboratório em casa, onde revelava e ampliava em P&B. Exigia um tempo e paciência para ter um bom resultado. Depois vieram as câmeras digitais, os scanners para negativos e aplicativos como o Photoshop. Laboratório migrou do quarto escuro para o computador. Os recursos de manipulação de imagem melhoraram muito. Com as máquinas digitais, passamos a tirar uma quantidade muito maior de fotos e com isso a necessidade de organizar estas fotos. Novamente, surgiram aplicativos como o Aperture (Apple) e o Lightroom que permitiam a organização em álbuns e a inclusão de tags. Apareceram também impressoras domésticas com uma qualidade muito boa e uma grande oferta de papéis, o que permitia o domínio de todo o ciclo desde a captura, processamento e impressão para a produção de uma imagem fine art.
Leo Saldanha - Quando e por que você começou a explorar ferramentas de IA como o Midjourney? Isso foi uma decisão intencional ou algo que surgiu naturalmente?
Como eu comentei anteriormente, meu último trabalho na IBM foi com Inteligência Artificial e quando saí da IBM, fundei com amigos uma associação para ajudar a disseminar IA no Brasil, a I2AI. Por conta disso, sigo estudando sobre o tema e testando várias ferramentas com IA não só p/ criação de imagens. Comecei com o Midjourney assim que ele saiu e já produzi mais de 10 mil imagens com ele. Também usei diversas versões do Stable Diffusion, Adobe Firefly, DALL-E e muitos outros embora minha preferência ainda seja o Midjourney.
Leo Saldanha - Como você utiliza o Midjourney para criar imagens relacionadas ao ciclismo?
Eu uso o Midjourney para criar várias imagens, não só relacionadas ao ciclismo. Com ele, crio imagens que uso nas minhas apresentações, nos livros e artigos que escrevo ou colaboro. Desenvolvi um estilo com esboços minimalistas em P&B que me permite criar elementos básicos que depois combino no Photoshop p/ produzir slides para os cursos que desenvolvo sobre IA. Por conta da paixão pelo ciclismo, também criei milhares de imagens sobre o assunto explorando diversos estilos. Colagens, Desenhos, Cartoons e o que mais gosto, imagens quase realistas criadas a partir de fotos que eu mesmo tirei. Tem várias destas imagens no meu portfólio e experimento cada versão nova do Midjourney para avaliar o nível de controle e realismo possível.
Leo Saldanha - Há algo específico sobre o ciclismo que te inspira a explorar essa combinação de IA e fotografia?
Dentro desta linha de imagens realistas, comecei com imagens de fotos tiradas nas competições que participei, na França e Itália, fotos ligadas ao esporte de performance mas atualmente, me interesso mais por imagens que mostram o uso das bicicletas no dia a dia das pessoas. Tenho uma série de fotos sobre B&P (Bicicletas & Pessoas) que são imagens de pessoas usando a bicicleta no ambiente urbano para as mais diversas atividades. Lazer e esporte, meio de transporte, entregadores, com todo tipo de bicicleta, speed, MTB, urbanas, retrô, elétricas, cargueiras… Eu uso as imagens reais com um prompt para a criação de novas imagens com o Midjourney.
Leo Saldanha - Quais aspectos técnicos ou criativos do Midjourney você considera mais interessantes?
Eu gosto muito do resultado visual das imagens do Midjourney e ao longo do tempo ele tem melhorado muito nos elementos para produção destas imagens. Com a personalização e o uso dos Estilos de Referência, você consegue ter um controle melhor do resultado. A migração do ambiente do Discord para a interface web também permitiu uma melhora na usabilidade com controles deslizantes similares aos que já existiam nos programas baseados em Stable Diffusion. A possibilidade de edição da imagem com inpainting e outpainting, zoom e panning e a qualidade do upscale também são coisas que valorizo.
Leo Saldanha - Algum recurso ou técnica tem sido especialmente valiosos?
Gosto de experimentar diferentes estilos e técnicas e para isso sigo vários criadores no X/Twitter. Sempre tem alguma ideia nova por lá e algo que vale a pena explorar. Gosto muito do uso de imagens de referência aliadas ao prompt de texto para a criação de novas imagens.
Leo Saldanha - Em que momento você percebeu que à IA poderia adicionar valor ao seu trabalho fotográfico? Como isso mudou o seu fluxo criativo ou o seu olhar fotográfico?
A IA certamente pode ajudar em vários aspectos do trabalho fotográfico, não só na criação e edição de imagens mas também o uso dos Grandes Modelos de Linguagem (LLMs) como o ChatGPT para criação de briefings e planos de marketing. Especificamente na linha de criação, você pode usar estas imagens criadas com IA para um brainstorm de ideias para fotografias reais, criação de imagens de coisas que não existem, mundos fictícios ou recriar momentos que você não consegue mais fotografar. Não só o Midjourney mas as ferramentas da Adobe com IA generativa no Photoshop e Lightroom incluíram definitivamente o uso da IA no fluxo de trabalho, na criação e na edição e se o objetivo for a impressão, o uso de upscalers com IA como o Topaz, permite o aumento da resolução para transformação de imagens de 4-5M pixels em imagens com 20 a 30M pixels com qualidade para impressão em formatos A3 ou maiores.
Leo Saldanha - Na sua experiência, como o Midjourney evoluiu desde que você começou a usá-lo? Quais foram as mudanças mais marcantes?
Cada nova versão tem suas particularidades o que traz alguns desafios porque algo que funcionava de uma forma e produzia um resultado numa versão passa a produzir outro resultado numa mais atual. Felizmente, você continua tendo acesso e pode usar as versões antigas se necessário para produzir algo em um estilo que você criou anteriormente. Quando examino minha galeria de imagens produzidas nos últimos 2 anos no Lightroom, é nítida a melhora da qualidade e controle na geração de imagens. Não é um salto pequeno, mas algo impressionante e pode ser notado em cada nova versão. Como já mencionei, a migração do Discord para a web trouxe uma melhora grande na usabilidade e no controle das imagens produzidas. O acesso às imagens antigas com a possibilidade de re-edição e download também evoluiu muito.
Leo Saldanha - Como essas evoluções impactaram sua maneira de trabalhar com à IA? Houve alguma atualização que tenha aberto novas possibilidades criativas?
O controle e a previsibilidade são fundamentais. Como produzir uma imagem com uma característica específica se não conseguimos controlar o que vai ser produzido? É importante você entender o significado dos diversos ajustes e que eles produzam resultados consistentes. É importante também a possibilidade de corrigir algum erro específico da imagem sem refazer a imagem toda, e os recursos de edição presentes no Midjourney ou no Photoshop ajudam muito. Não só você tem mais elementos para controlar a imagem como o modelo responde melhor aos prompts. Embora algumas pessoas experimentem com prompts enormes, o Midjourney considera poucos elementos desse prompt para produzir a imagem. Isso tornava bastante difícil produzir uma imagem específica o que às vezes me obrigava a quebrar a imagem em partes e depois montá-la no Photoshop. Hoje isso melhorou e você consegue especificar uma variedade maior de elementos que serão considerados pelo modelo.
Leo Saldanha - Você acredita que o Midjourney ou outras ferramentas de IA possam se tornar essenciais para os fotógrafos?
Não tenho dúvida! É uma ferramenta como o Photoshop e a qualidade destas imagens produzidas ainda vai melhorar muito nos próximos anos, inclusive a criação de vídeos, que sofreu uma grande evolução neste ano, mas ainda está no nível que a geração de fotos de alguns anos atrás.
Leo Saldanha - Quais são os prós e contras que você vê nesse uso?
Existe uma discussão e um debate muito polarizado, como tudo hoje em dia, sobre arte produzida com IA com alguns defendendo que isso não é arte. Também existe uma questão sobre direitos autorais tanto das imagens produzidas como das usadas para treinar os modelos e aspectos ligados à produção e manipulação de imagens falsas e deepfakes que precisam ser debatidos. Acredito que a maioria das pessoas que não consideram imagens geradas com IA uma arte, desconhece a complexidade e o número de interações necessárias para produzir um determinado resultado. É fundamental um aprendizado para usar essas ferramentas de forma criativa e são necessárias dezenas ou centenas de interações, inclusive com edição posterior no Photoshop para se produzir determinados resultados.
Leo Saldanha - De que forma você vê a IA complementando a fotografia tradicional? A IA é uma extensão da câmera, ou é algo completamente diferente?
Vejo a IA como uma ferramenta que hoje produz resultados razoáveis para determinadas fotos, mas que segue evoluindo e melhorando. É uma ferramenta que produz imagens com uma característica específica que pode ser interessante em alguns casos.
É importante considerar que a IA está presente nas câmeras e smartphones, e conseguimos resultados surpreendentes com sensores e lentes muito pequenas nos aparelhos atuais. As fotos HDR são tão boas que não parecem realistas. A presença de detalhes nas sombras e nos destaques deixa a imagem com uma aparência bem particular. As imagens noturnas e em baixa luz, anteriormente um desafio para os smartphones, melhoraram significativamente. Finalmente, os recursos de edição e remoção de distrações dos aplicativos atuais facilitam a edição de imagens para pessoas sem muito conhecimento.
Leo Saldanha - Você acha que a IA pode ajudar a contar histórias visuais de uma forma que seria difícil ou impossível sem ela? Algum exemplo prático de como isso acontece no seu trabalho?
Vivemos um mundo de storytelling e uma competição para agradar os algoritmos que são fundamentais para divulgação do nosso trabalho. A IA é uma ferramenta importante neste sentido e ferramentas como o ChatGPT, Google Gemini e os geradores de imagem e editores como Midjourney, Stable Diffusion e Photoshop podem contribuir para esses resultados.
Leo Saldanha - Quais são os desafios que fotógrafos podem enfrentar ao adotar a IA? E como você recomenda que eles superem esses desafios?
Um grande desafio é a questão do tempo. Nunca tivemos tantas ferramentas e, ao mesmo tempo, tantos desafios em gerenciar o tempo. A presença obrigatória nas mídias sociais e a digitalização generalizada geraram novos desafios para indivíduos e fotógrafos. Hoje a interação com os clientes se dá de forma digital e o fotógrafo muitas vezes tem que cuidar da criação e divulgação de produtos para as mídias sociais. Todo esse esforço exige tempo. Aprender a usar essas ferramentas exige tempo. Priorizar como usar o tempo é fundamental. Decidir o que você vai fazer e o que vai subcontratar é importante especialmente para aqueles que trabalham sozinhos.
Leo Saldanha - Quais são suas expectativas para o futuro da IA na fotografia? Como você imagina o papel da IA em moldar o trabalho e a criatividade dos fotógrafos nos próximos anos?
As ferramentas vão continuar evoluindo, melhorando a qualidade das imagens produzidas, permitindo um maior controle do resultado e incluindo recursos de edição. É importante ser um usuário dessas tecnologias e explorar os casos de uso, acompanhando esta evolução.
Leo Saldanha - Para fotógrafos que estão considerando começar a usar o Midjourney, que conselhos você daria para aproveitar o potencial da ferramenta?
Você só vai aprender a usar a ferramenta experimentando. Algumas coisas vão dar um resultado bom, outras não. Seguir outros fotógrafos e artistas no Instagram e X/Twitter também ajuda muito. Eu tenho listas criadas de artistas de diversos estilos. Também uso muito o recurso de exploração do Midjourney. Observando o trabalho de outros, você pode aprender bastante e experimentar com o prompt, imagem de referência e estilo.
Leo Saldanha - Em sua opinião, qual é o impacto da IA sobre a autenticidade na fotografia?
É uma pergunta difícil de ser respondida de forma resumida. Vale a pena um debate. Tenho livros de fotografia que exploram o estilo de vários fotógrafos. Fiz cursos de fotografia em que estudamos as características das imagens produzidas por estes fotógrafos. As pessoas sempre aprenderam usando a criação de outras. A IA te dá a oportunidade inclusive de desenvolver um estilo próprio e gerar imagens baseadas neste estilo. Você pode personalizar um modelo no Midjourney com suas fotos, que se adapta conforme você seleciona as imagens que mais gosta.
Leo Saldanha - Você acha que o uso de IA desafia ou enriquece a percepção do público sobre a fotografia?
As mídias sociais e os algorítimos têm uma influência muito maior nisso do que as imagens criadas por IA. Se fala pouco sobre isso, mas hoje somos todos reféns dos algorítimos se quisermos conquistar seguidores, likes e ter nosso trabalho divulgado. Na maioria das vezes, o que agrada o algoritmo e funciona, não é um produto de alta qualidade. Em um mundo muito fragmentado em bolhas e polarizado, é o conteúdo extremo que viraliza. Sim, ainda estamos falando de IA porque são os algoritmos que por meio de IA decidem o que tem maior chance de prender a atenção das pessoas e viralizar, mas não especificamente de imagens criadas com IA.
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